LIÇÃO 9
O CONCERTO DE DEUS COM A CRIAÇÃO
TEXTO ÁUREO: “E eu convosco estabeleço o meu concerto, que não será mais destruída toda carne pelas águas do dilúvio e que não haverá mais dilúvio para destruir a terra.” (Gn 9.11)
LEITURA BÍBLICA: GÊNESIS 9.1-11
INTRODUÇÃO A terra que se apresentava aos olhos de Noé, de sua família e dos animais que saíram com ele de dentro da arca ainda era a mesma da criação original, com a diferença de que, purificada da geração perversa que a contaminara com violência e corrupção, havia sido como que “renovada” para servir de habitação para as criaturas com as quais Deus estabeleceria um concerto de misericórdia e longanimidade. Veremos nesta lição em que consistiu esse concerto e que propósito o Senhor visava alcançar ao prometer não mais destruir a terra com o dilúvio, mesmo sabendo que a realidade do pecado permanecia e eventualmente se manifestaria como no passado.
I – DEUS REFREIA A VIOLÊNCIA (9.1-7) Chamando Noé e seus filhos para fora da arca, o Senhor renova o mandato originalmente expresso ao primeiro casal: “Frutificai, e multiplicai-vos, e enchei a terra”. Do mesmo modo que no princípio, os animais já haviam recebido mandato para se multiplicarem (cf. Gn 8.17), e eventualmente encheriam a terra, devendo então ser dominados pela raça humana, cuja mordomia sobre a criação não havia sido revogada. Contudo, agora estamos diante de uma nova realidade, alterada pela Queda, onde esse domínio seria exercido através do temor e pavor que o homem causaria aos animais, e onde ele poderia dispor destes para sua própria alimentação (vv. 2, 3; cf. Gn 1.29-30). Notemos, porém, a exceção feita ao sangue, aqui mencionado pela primeira vez como sinal, ou símbolo da vida, e por isso vedado ao consumo. Posteriormente o Senhor instituirá um procedimento mais detalhado quanto ao uso do sangue, mas por enquanto a ideia é de que o homem, como mordomo, e não senhor da criação, não tem direito de dispor da vida de qualquer outra criatura, exceto para se valer do corpo do animal para os fins aqui definidos pelo verdadeiro Senhor de toda a criação. Ingerir sangue é uma afronta ao direito divino e um desprezo pelo dom da vida, próprio de homens violentos como aqueles que havia antes do dilúvio (cf. Lv 17.10-11; At 15.20). Em seguida, o valor da vida humana é ressaltado sobre a dos animais, a ponto de Deus requer a punição dos animais que derramassem o sangue de algum homem, assim como, a partir de agora, o homicida deveria ser punido da forma mais severa possível: “Quem derramar o sangue do homem, pelo homem o seu sangue será derramado”. Este será o precedente tanto para a expressão escrita do mandamento na lei mosaica, como também para o princípio universal entre todos os povos acerca da aplicação da pena capital (cf. Ex 20.13; 21.12; Rm 13.3-4). Aquele que comete homicídio não apenas ofende a Deus por tirar do seu próximo aquilo que somente o Criador pode tirar – a vida; mas também porque, tendo sido o homem feito à imagem de Deus e, portanto, constituído mordomo da criação, matá-lo significa um atentado contra o propósito divino em relação a toda a criação. Não por acaso, Satanás é considerado o primeiro homicida, pois tentou frustrar os desígnios do Criador incitando o primeiro casal ao caminho da morte; e aqueles que andam em suas pisadas também são chamados propriamente de homicidas (Jo 8.44; 1 Jo 2.9; 3.10-12).
II – O CONCERTO DE DEUS COM TODOS OS SERES VIVENTES (9.8-17) A natureza do concerto que o Criador estabelece com todos aqueles que saíram da arca não está relacionada propriamente com a salvação, como no caso do concerto eterno primeiramente expresso na representação do jardim e da árvore da vida, e depois se manifestaria definitivamente no pacto firmado por Cristo em Sua própria morte sacrificial. No caso, aqui temos uma promessa de preservação da vida na terra, envolvendo Noé e sua família, bem como os animais que saíram da arca, por gerações eternas, quer dizer, enquanto houvesse gerações até o derradeiro fim do mundo. Não quer dizer que o Senhor não continuaria julgando geração após geração, tanto a nível individual como em relação a povos inteiros – como ocorreu, exemplarmente, com Sodoma e Gomorra, e com muitas nações ao longo dos séculos que se seguiram (cf. Is 3.13). Quer dizer apenas que o juízo, enquanto este mundo existir, não voltará a ser universal, seu derramar sendo sempre contido para que as gerações possam se suceder neste mundo, em cumprimento ao mandato original: Frutificai, multiplicai-vos, enchei a terra. O arco nas nuvens é um memorial visível deste concerto e testifica também da longanimidade e paciência de Deus em relação à humanidade pecadora, sobre a qual dispensa Seus juízos em medidas que se só alcançarão a plenitude de toda a humanidade no fim dos tempos, quando se dará a consumação dos céus e da terra (Ap 4.3; 2 Pe 3.7).
III – A DESCENDÊNCIA ELEITA É PRENUNCIADA (9.18-29) A narrativa que segue é de grande importância profética, pois nela são delineados os desígnios gerais de Deus em relação aos três grandes ramos da família humana. Embora muitos sejam tentados a dar maior atenção ao fato de Noé ter se embriagado com o fruto da vinha que plantou e ter se descoberto em sua tenda, entendamos que não é este o foco do texto. Se é verdade que a Escritura jamais legitimaria a embriaguez – antes orientando o sábio e piedoso a evitá-la (Pv 31.4-7; Gl 5.21) – aqui o autor sagrado simplesmente não julga o ato do patriarca. Mesmo sob o efeito embriagante do vinho, Noé havia se retirado para a privacidade de sua tenda onde se despiu, longe da vista de qualquer outra pessoa. Contudo, seu filho Cam, por alguma razão adentrou a tenda de seu pai e, vendo-o naquele estado, não informou, mas antes expôs aquela situação constrangedora em que Noé se encontrava para os seus irmãos do lado de fora. Portanto, o mal do escândalo causado é imputado a Cam, a quem faltou o respeito ao pai e o senso de vergonha que mesmo Noé, na sua embriaguez, demonstrou ter ao refugiar-se na sua tenda. A atitude irreverente de Cam, bem como o cuidado de Sem e Jafé para com o pai, despertaram em Noé o espírito profético, que através do patriarca anuncia o futuro reservado às três grandes famílias que se originariam a partir dos três filhos: “Bendito seja o Senhor, Deus de Sem”, porque entre os seus descendentes seria escolhido Abraão, e dele Israel, no meio de cujo povo nasceria o Salvador. A Jafé caberia primeiramente conquistar a maior parte da terra, através de um grande número de povos descendentes – isto é, gentios; mas finalmente habitaria nas tendas de Sem – uma alusão à entrada das nações no concerto da salvação, graças à reconciliação entre ambos os povos – semitas e gentios – através da cruz de Cristo (cf. Gl 3.8, 16, 26-28). Cam, por sua vez, havia dado causa a uma maldição não sobre si mesmo, mas sobre um de seus filhos, Canaã, cujos descendentes seriam sujeitos não apenas ao poderio militar superior dos descendentes de Jafé, mas também à vitória de Jeová sobre os ídolos que os cananeus serviriam por muito tempo antes de finalmente serem alcançados pelo juízo de Deus através de Israel (cf. Js 3.10).
CONCLUSÃO O concerto de Deus com Noé e todos os que com ele saíram da arca assinala o princípio de um ciclo contínuo de gerações cujos indivíduos devem encontrar o seu lugar entre a sorte de um dos três filhos de Noé, ao mesmo tempo em que, com a aproximação do fim dos tempos, vai se tornando mais e mais patente quem são aqueles que estão na sorte de Sem, cujo Deus, o Senhor, é bendito eternamente.